quinta-feira, 29 de outubro de 2015

018 - A escalada de um vulcão

Todo grande desafio pressupõe um bom controle mental. Além do corpo, a pessoa precisa treinar também a cabeça, pois ela é a primeira a sucumbir diante das adversidades. Os dois avisos sobre a parte física trouxeram um tanto bom de insegurança para mim quando eu os li, porque realmente eram assustadores para alguém sedentário como eu. A frequência de treinamentos sugerida dava a dimensão do desafio a ser enfrentado, pois pedia que caminhássemos o percurso de quase sete maratonas como preparação. As restrições a pessoas acima do peso e com problemas nas articulações também assustavam, principalmente levando em conta que o aviso falava de pessoas com dez ou quinze quilos a mais, indiretamente excluindo da trilha quem estivesse com sobrepeso acima disso.

Mas, não eram só esses dois avisos que me assustavam. Havia um terceiro:

* Lembrar de cortar as unhas dos pés, para evitar o atrito com o tênis na descida. Há inúmeros casos de unhas que caíram alguns dias depois da volta, por não terem tomado este cuidado.

Não inventei esse aviso, não mexi no seu texto. Ele veio assim mesmo, simples e direto: corte as suas unhas, porque senão elas vão cair depois da trilha. Que cacete de caminhada era aquela que ameaçava de morte as minhas pobres unhas? Se toda regra tem uma exceção, eu havia descoberto que a exceção à regra de que para baixo todo santo ajuda era justamente em relação às unhas. O jeito então era trabalhar a cabeça.

Uma subida que nunca terminava



Apreciando as belezas da Cordilheira dos Andes



Subida completada!



Descendo de "esquibunda"


A minha primeira providência foi não ficar pensando nas dificuldades da caminhada, nos riscos que ela poderia trazer e nas sequelas a serem deixadas. Eu tinha uma experiência na minha vida e me guiaria muito por ela. Falo da subida do Vulcão Villarrica, em Pucón, no Chile.

No final do ano de 2005, fiz com minha esposa uma maravilhosa viagem pelo Chile, país que aprendi a amar e a respeitar. Chegamos a Santiago, ficamos dois dias por lá e alugamos um carro, com o qual fomos primeiro para Viña del Mar e Valparaíso, cidades irmãs, mas totalmente diferentes. Mais dois dias no litoral e rumamos para o sul, parando aqui e acolá, visitando um amigo e sua família, até chegar a Puerto Varas, preciosidade às margens do lago Llanquihue e em frente ao estonteante vulcão Osorno. Curtimos bastante tudo por ali, sempre em um clima muito romântico, e depois pegamos a estrada para Santiago novamente, percurso que ainda contaria com uma parada de dois ou três dias em Pucón. Chegamos a essa cidade no final da tarde, após nos perdermos em atalhos fora da rodovia Panamericana, arranjamos uma cabaña para nela nos hospedarmos e no dia seguinte fomos conhecer um pouco das belezas naturais ali por perto. Foi então que entramos em uma agência de turismo e vimos diversos passeios na região, entre eles a subida do vulcão Villarrica. Tínhamos apenas mais um dia por lá e queríamos aproveitar o melhor do lugar, razão pela qual meus olhos brilharam diante da possibilidade de fazer aquele passeio tão diferente da minha realidade. Um pouquinho de conversa e eu já estava encantado: quando teria novamente a oportunidade de caminhar pela neve até o topo de um vulcão ainda em atividade, que ficava soltando fumacinha o tempo inteiro?

O problema era a minha esposa. O passeio duraria um dia inteiro, seria feita uma caminhada certamente cansativa e tudo o que ela mais gostava em viagens era de conforto, algo que não combinava com aquela proposta indecente.

– Es muy difícil? – perguntei ao rapaz da agência, que prontamente me explicou que dezenas de pessoas subiam o vulcão diariamente, inclusive idosos.

Encantado, mas já descrente da aprovação, perguntei à minha esposa:

– E aí, anima?

– Por mim, tudo bem – ela respondeu.

Sabe quando você não acredita no que acabou de ouvir? Pois foi o que aconteceu comigo. Tive que perguntar a ela ainda mais umas duas vezes para ter certeza de que eu não estava delirando. A minha esposa, tão delicada, tão bonita, tão apaixonada por lugares confortáveis e prazerosos, concordando comigo de subir um vulcão ativo até o seu topo? Minha reação instantânea foi de desconfiança. Depois de um tempo de casado, a gente, mesmo acreditando que o amor ainda existe e é forte, às vezes desconfia das coisas. Quando a esmola é demais até o cego desconfia – já dizia o ditado. O que será que ela queria em troca? Um filho não era, não estava nos planos dela. Dinheiro também não, porque ela trabalhava e tinha lá suas economias. Mais carinho? Mais atenção? Mais chamego?

Se a esmola é muita, o melhor a fazer é pegá-la logo e deixar para pensar no problema depois, porque senão corre-se o risco do doador desistir daquela loucura. Por isso, tratei logo de fechar o contrato com a agência, paguei cerca de sessenta dólares para cada um e combinei de estarmos lá no outro dia, antes das sete da manhã, para iniciarmos a aventura.

Foi o que fizemos. Na agência, nos deram uma roupa própria para a neve, diferente de tudo o que nós dois, bons brasileiros habitantes de um país tropical, tínhamos visto ou vestido na vida. Luvas, botas, capacete e uma machadinha, cuja finalidade seria logo explicada. Pegamos uma vã e seguimos em direção à estação de esqui no vulcão, desativada naquela época do ano porque estávamos em pleno verão. Eu continuava olhando a minha esposa desconfiado, sem conseguir entender o que tinha levado a moça a aceitar tamanha enrascada.

A caminhada foi difícil. Subíamos em zigue-zague, em fila indiana, um grupo de umas dez pessoas. Os passos eram dados no gelo, em degraus formados pelos contínuos grupos que passavam por lá. Na primeira parte da subida, a Rose reclamou demais e pensei que ela fosse desistir. Depois, quem passou a reclamar fui eu, com cãibras danadas que me assustaram muito e estiveram a ponto de me derrubar na lona. O pior de tudo é que o cume, que da base não parecia muito distante, aos poucos ia se afastando de nós de forma sacana. Quanto mais a gente andava, mais parecia que ele estava longe!

A recompensa era a vista. Em certo momento, ultrapassamos o nível das nuvens. Estava um dia lindo e, em meio à neve do nosso próprio vulcão, víamos ao longe os cumes brancos de inúmeras montanhas da Cordilheira dos Andes, uma visão magnífica que meus olhos nunca vão esquecer. A beleza estupenda da paisagem fez com que conseguíssemos finalmente chegar ao cume, em um honrado último lugar entre os mais de dez grupos que subiram o vulcão naquele dia. Demoramos, mas chegamos! Lá em cima, alcançamos as bordas da cratera, um local onde a neve estava derretida por razões óbvias. Dentro do buracão, três buracos bem menores, onde a lava se agitava intensamente e, a cada cinco minutos, voava alguns metros de altura, sempre acompanhada de um rugido esquisito e de uma fumaça bastante fedorenta. Enfim, um verdadeiro espetáculo! Para coroar toda a aventura, ainda descemos de esqui-bunda pela neve do vulcão, momento em que todo mundo voltou a ser criança e lembrou dos tempos dos tobogãs nos parques, só que ali com muito mais emoção e beleza.

Às seis da tarde, estávamos de volta a Pucón, em frente a uma farmácia, os dois arrebentados, loucos para comprar um relaxamente muscular e já decididos a ficar mais uma noite na cabaña.

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