segunda-feira, 2 de novembro de 2015

019 - Uma aventura ajuda a outra

Essa pequena aventura de um dia ajudou imensamente na minha preparação psicológica para a escalada do Monte Roraima. Em primeiro lugar, analisando o que acontecera no Chile, concluí que não se pode ficar pensando muito na parte ruim da caminhada. Se eu por algum momento tivesse sonhado lá em Pucón que seria tão árdua a subida do vulcão, que teria tantas cãibras e que voltaríamos complemente esgotados em relação à parte física, provavelmente eu teria desistido. Por que subir em um vulcão, sofrendo tanto, se eu estava em uma viagem de passeio, confortável, descansando de vários meses seguidos de trabalho?

Outra coisa que eu pensei foi em relação ao resultado da subida do vulcão. No final das contas, minha dor física e meu cansaço extremo passaram em dois ou três dias, mas eu voltei vivo de lá, inteirinho e as memórias que guardei nunca seriam apagados da minha mente. Nem sabia mais qual perna tinha sentido a cãibra forte, mas me lembrava perfeitamente da beleza das montanhas da Cordilheira, da emoção de sentar sobre o gelo acima das nuvens, da sensação estranha de ver de perto um vulcão cuspir lava, do prazer de descer de lá deslizando pela neve. Era isso que tinha ficado de todo o meu desgaste para subir o Villarrica: só lembranças boas. Por isso, decidi que manteria minha cabeça longe das dificuldades da trilha, das dores que sentiria, do sofrimento físico que certamente me atingiria.

Não quero entrar naquela lenga-lenga de palavras espirituais, conselhos de superação pessoal, dicas de auto-conhecimento, enfim, não quero entrar nesse terreno que não é a minha praia e onde posso me dar muito mal. Mas, de toda forma, não posso deixar de dizer que essa história de não me concentrar nos problemas e nas dificuldades realmente me ajudou, não só na questão da trilha, mas em quase tudo na vida. Nos diversos concursos públicos e vestibulares pelos quais passei, por exemplo, sempre evitei pensar nos concorrentes ou na dificuldade da prova. Concentrava-me no estudo e ponto final. Também não pensei muito para me casar, pois já estava havia muito tempo com a noiva, sabia que era boa pessoa, que eu gostava dela e isso me bastava. Qualquer pessoa que comece a pensar nos problemas do casamento nunca passará perto de um altar, porque realmente eles são muitos. O mesmo com filho. Se o sujeito pensar que o filho dará trabalho, que não o deixará dormir, que pode ficar doente, que pode se tornar um adolescente problemático, pronto, vai morrer sem descendentes. Melhor é se concentrar no sorriso da esposa, nas boas viagens juntos, na alegria dos filhos, nos momentos maravilhosos e simples em casa, nas brincadeiras à noite com as crianças, antes de dormir, enfim, melhor pensar nessas coisas. A gente precisa dominar a mente antes de tudo, acredite em mim. Para isso, às vezes é preciso iludi-la, concentrando-se apenas na parte boa das coisas, enquanto utiliza disfarçadamente as partes ruins para se preparar para elas, mas sem torná-las o centro da caminhada.
Tentei agir dessa forma com o Monte Roraima. Mas, como se descobre facilmente, as coisas na teoria sempre são muito mais fáceis do que na prática, especialmente quando estamos falando de dominar a mente para que ela não se acovarde diante da ideia de sofrer por seis dias em uma trilha rumo ao mundo perdido...

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