quinta-feira, 5 de novembro de 2015

020 - Iniciando a preparação física

Se eu já tinha tomado conhecimento de que não seria possível caminhar os 270 quilômetros em quarenta dias, por outro lado não dava para ficar totalmente parado. Quando eu passo vários dias sem caminhar ou me exercitar, o que não é tão raro, como já deu para perceber, a volta às atividades físicas traz uma coceira imensa nas minhas pernas. Uma vez, eu inventei de correr com dois amigos em Uberlândia, em um domingo de manhã, isso há alguns anos. A gente acordou cedo, coloquei meu tênis, calção, camiseta, boné, passei protetor solar, pus os óculos escuros e me senti o máximo. Era uma corridinha leve, coisa de oito quilômetros em um ritmo bem tranquilo. Caminhamos um pouquinho para aquecer, fizemos uns alongamentos simples e passamos a trotar pela avenida. Ah, não deu meio quilômetro e começou o formigamento nas pernas! Os dois iam na frente e eu lá atrás, sem saber se coçava a perna esquerda, a direita ou se procurava meu pulmão esbaforido em algum canto da sarjeta!
Isso sempre aconteceu comigo e acho que é devido a problemas de circulação. Como fico muito sentado e é de família ter algumas veias fora do tom, acho que isso faz com que me dê aquela piniqueira quando ponho as pernas para fazer atividades físicas, especialmente se for uma corridinha, ainda que leve. Quanto às caminhadas, se mantenho um ritmo muito tranquilo, mesmo depois de muito tempo sem fazer exercícios, as coceiras praticamente não aparecem.

Só que eu não queria arriscar. Já imaginou ficar para trás na trilha, como aconteceu naquela corrida em Uberlândia, por conta de coceiras? Já pensou coçar a canela a cada cinco metros, com uma mochila pesadíssima nas costas? Sem chance! Eu tinha que fazer umas caminhadas.
E fiz. Do começo de março ao começo de abril, fiz diversas caminhadas pela avenida Jorge Teixeira, em Porto Velho, todas elas com uma cismazinha idiota, mas que tinha que ser cumprida: entrar no pequeno aeroporto pela porta perto do desembarque, tomar um gole d’água no bebedouro e seguir até a área de check-in, depois dar um toquezinho com a mão no balcão da Gol e no da TAM, nas lojas de passagens dessas companhias. Nunca na vida fui de ter tiques, transtorno obsessivo-compulsivo ou coisas do gênero, mas aquele ritualzinho me ajudava a esquecer a dureza das caminhadas. Ia lá, dava um tapinha disfarçado nos balcões, já que não queria mostrar qualquer sinal de insanidade, depois dizia em pensamento às duas companhias que eu adorava viajar de avião e que a gente ainda iria ter muitas histórias felizes pela frente. Enfim, coisa de retardado mesmo, mas para superar minha tendência ao sedentarismo, valia qualquer coisa, por mais idiota que fosse.
Marcando a distância percorrida, um pedômetro na cintura. Para quem não conhece esse aparelhinho, ele é muito simples e, a cada passo que você dá, ele o conta. Você coloca lá a medida média do seu passo e, com base nessas duas informações, ele te dá a distância percorrida, a velocidade média, o número de passos e o gasto aproximado de calorias. Tudo aproximado mesmo, sem qualquer exatidão, mas suficiente para se ter uma boa noção do exercício praticado. Assim, pelos meus cálculos, eu devo ter caminhado durante cerca de trinta e cinco dias algo como setenta quilômetros no total, duas ou três vezes por semana.
Pode parecer bobagem, ainda mais vindo de mim, mas sabe que essas caminhadas foram boas para mim, mesmo não representando nem um terço do sugerido pela agência de viagens? Em primeiro lugar, logo depois das caminhadas iniciais, eu já tinha parado com aquela história de coceira. Minha circulação ficou tinindo de boa! Além disso, minhas pernas foram se acostumando com o movimento de vai e vem, além dos pés se adaptarem às botas.
Mas, e o treinamento com a mochila nas costas? Bem, eu tinha que fazer isso, ao menos uma vez. Cerca de uma semana antes da partida para Boa Vista, eu já estava com a mochila bem organizada, embora nem imaginasse o quanto ainda tiraria tudo lá de dentro para organizar novamente. Então, em um belo dia, pesei a danada e vi que já tinha oito quilos. Entrei então em um dilema: caminho com a mochila ou não caminho? E o mico que vou pagar? E a vergonha? Tive então uma brilhante ideia: ao invés de eu parar o carro na ponta da avenida voltada para o centro, onde começava o trecho de caminhadas, eu pararia na outra ponta, ou seja, no aeroporto. Tudo bem que teria que pagar três pilas, como dizem os gaúchos, para estacionar por lá, mas o universo de vantagens compensaria esse valor. Quem está no aeroporto não carrega bagagem? Então, eu não teria qualquer olhar indiscreto ao descer do carro no estacionamento e colocar uma mochila nas costas. Dali, teria só que disfarçar, o que não seria difícil, pois já era noite e o estacionamento não tinha a melhor iluminação do mundo, e pegar outro caminho que não o do embarque. Na sequência, eu teria que entrar na avenida e caminhar junto com todo mundo, o mesmo valendo para a volta. Como eu estava com calça comprida, a mesma que levaria na viagem, e minha bota, se alguém me visse poderia pensar não que eu era um maluco, mas que não tinha dinheiro para pegar um táxi vindo de casa ou voltando para o aeroporto...
Que se danasse também o pensamento dos outros! Nunca tinha ligado para isso mesmo, então não iria me preocupar ali. Simplesmente pus a mochila nas costas, depois de deixar o carro no estacionamento do aeroporto, e comecei a andar. Caminhei cerca de cinco quilômetros naquele dia, com oito quilos nas costas, e gostei do resultado. Não senti muitas dores, o peso apareceu para o corpo, mas não incomodou tanto, e no dia seguinte eu estava em um bom estado. Estava praticamente pronto para enfrentar o desafio mixuruca do Monte Roraima!
Dois dias depois, resolvi repetir a dose. Meu vizinho do condomínio, que já sabia que eu não era louco, aceitou caminhar comigo desde lá de casa até o aeroporto. Eu levaria a mochila, agora com dez quilos, para um percurso de mais ou menos sete quilômetros e meio. Fomos...
Nesse dia, aquela tática esperta de não pensar no lado ruim da coisa, para não perder o controle sobre a minha mente, começou a fraquejar. Eu caminhei metade do percurso que teria no primeiro dia da trilha, com uma mochila que ainda não estava no seu limite, sem a minha pochetona e sem máquina fotográfica, mas mesmo assim voltei com as costas quase arrebentadas. E olha que não peguei ladeira alguma... Não entendi o que aconteceu, mas acho que apenas dois quilos a mais fizeram um estrago monumental nas costas. Não que eu tenha me sentido atropelado por uma carreta carregada de cimento, mas não fiquei legal depois da caminhada e muito menos no dia seguinte. De toda sorte, aquela experiência foi muito válida, pois comprovou que um conselho inúmeras vezes recebido teria que ser colocado em prática de forma radical: levar o mínimo de coisas possível na mochila, o mínimo mesmo, quase abaixo do essencial.
Era o meu desafio.

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