Sei que essa história de preparação da mochila deve estar ficando cansativa, que o legal é passar logo para a trilha, mas preparar uma viagem pode ser muito bacana também. Aliás, tem gente que curte tanto a preparação quanto a viagem em si. Independentemente disso, a verdade é que uma aventura no meio do mato, longe de qualquer loja ou supermercado, demanda sempre muito cuidado com a bagagem, ainda mais quando a quantidade de coisas a serem carregadas deve ser bem pequena. Deve-se cuidar para não faltar o essencial nem passar o minimamente dispensável.
Da lista que recebi da agência, várias coisas foram supridas do meu guardarroupas mesmo. Nos EUA, comprei muita roupa adequada para caminhadas. Uma delas foi uma calça cheia de bolsos, com um zíper, que permite torná-la uma bermuda. Algo leve, de material dry fit. Essa seria a minha calça de todos os dias. Também resolvi levar uma calça da The North Face, mais resistente, que poderia me servir durante os períodos mais frios da trilha. Só duas calças, ponto final, nenhuma delas jeans, atendendo à recomendação da agência.
Não quis levar bermuda ou short, a não ser a bermuda resultante da transformação daquela calça. Quanto às camisetas, escolhi uma para cada dia e mais duas de reserva, ou seja, oito peças, alternando entre modelos de algodão e dry fit. De manga comprida, apenas uma blusa/camiseta que deveria ser utilizada em festas e saídas de alto estilo, por conta da marca e do preço, mas que decidi colocar na mochila sorrateiramente, escondido da minha esposa que me mataria se me visse levando tal peça de roupa. A ideia dessa blusa era utilizá-la por baixo da jaqueta impermeável e por cima de uma camiseta, no caso de eu pegar chuva em um dia frio, mas não tão frio.
Também peguei uma cueca para cada dia da trilha, mais duas adicionais, uma para a ida e outra para a volta para casa. Comprei meias com cano um pouco mais alto, por conta da bota de cano alto. No total, oito pares. Quanto às blusas de frio, decidi levar duas da The North Face, marca que eu gosto muito. Uma delas tinha capuz e era leve, à prova de vento e chuva. A outra era bem macia, fofona, ideal para temperaturas mais baixas. Testei colocar a fofona por baixo e a impermeável por cima e deu certo. Peguei ainda um calção de banho, pois a higiene diária seria feita ao ar livre, em riachos, não sendo possível, pelo menos na minha imaginação, tomar banho pelado ou de cueca. Em relação à toalha, peguei uma simples, de algodão mesmo.
Não peguei lençol e, quanto ao travesseiro, decidi levar a minha surrada almofadinha que usava todas as noites entre as pernas para dormir de lado, tal e qual me ensinara aquela professora lá das aulas de alongamento em São Paulo. Não sabia ainda se a almofada seria promovida a travesseiro durante a trilha ou se eu arrumaria alguma outra coisa para segurar a cabeça, já que sem algo entre os joelhos eu não conseguiria dormir. Problemas para depois, pensei.
A capa de chuva foi uma novela. Na minha viagem de divulgação da Justiça itinerante, eu tinha comprado uma capa tipo poncho, daquelas que têm apenas uma abertura para a cabeça. Paguei R$ 18,00 no troço amarelão, que me protegeu da chuva, mas se rasgou facilmente no último dia de viagem. Indeciso em relação ao que levar, deixei para comprar a capa em Uberlândia, pois passaria por lá – por conta de um casamento – no mesmo final de semana em que iria para Boa Vista.
Já o chapéu com aba, recomendado na minha lista, de início seria apenas um boné. Mas, com medo de que minhas orelhas fritassem debaixo do sol, decidi levar um chapéu de caubói que havia ganhado de uma amiga da Procuradoria da Fazenda Nacional, o qual fora usado apenas em uma pescaria, já que nunca fiz o tipo agroboy. O problema é que o danado, todo estiloso, de marca famosa (menos para mim, não iniciado nesses assuntos chapelares), não era feito para dobrar. Como transportar meu chapéu? Se eu o colocasse dentro da mochila, em cinco minutos ele ficaria parecido a um pano de prato retorcido. Levá-lo na cabeça em minha peregrinação por aeroportos não seria nada legal. Durante a trilha, se começasse a chover e eu tivesse que usar o capuz da blusa, teria que arrumar um lugar para pendurar o troço. Por essas e outras razões, acabei comprando um chapéu de pano mesmo em uma loja de artigos de pesca em Porto Velho, muito baratinho, pintado com cores camufladas, como as dos militares, e que poderia ser dobrado e redobrado dentro da minha mochila.
Também em uma loja de artigos de pesca, eu encontrei um repelente caro, mas cuja eficácia me foi garantida por um sujeito que estava lá e que parecia conhecer do assunto. Fiquei alguns instantes em dúvida. Morando há vários meses em Porto Velho, eu já tinha me acostumado um pouco aos mosquitos, um dos produtos mais genuínos de qualquer floresta tropical. Se um dia você for visitar a Amazônia, a não ser em algumas regiões específicas (como em alguns locais do Rio Negro), a sua existência será rodeada de insetos de todos os tipos, muitos deles fiéis seguidores do Conde Drácula. Como tem mosquito onde eu moro! Tantos que aos poucos fui me acostumando com eles, logo eu, que sempre achei Ilhabela e a famosa Praia dos Castelhanos lugares horrorosos por conta do excesso de insetos sanguinários... Aprendi a conviver com o inimigo, que em Porto Velho, assim como em muitos lugares da região, sempre pode estar na companhia de uma denguezinha, de uma febre amarela qualquer ou de uma gostosa malária.
Comprei o repelente. Já que as notícias davam conta de mosquitos infernais, principalmente no primeiro acampamento da trilha do Monte Roraima, eu iria para a guerra com um produto de primeira geração.
Em relação aos binóculos, até que vi um bonitão para comprar em Brasília, mas achei caro. A máquina fotográfica eu já tinha, assim como óculos de sol e uma excelente lanterna de led, daquelas que se prende na cabeça, permitindo ficar com as mãos livres. Além dessa liberdade, você ainda não precisa carregar um caminhão de pilhas, pois as luzes de led gastam pouca energia e uma pilhazinha te salva a vida durante um bom tempo. Já no quesito canivete, eu estava em apuros. Tinha um velho, enferrujado, que não prestava para mais nada. Por outro lado, pretendia ir para Boa Vista só com a minha mochila, sem despachá-la, para não ter problemas com eventual bagagem perdida. Só que, se eu não despachasse a minha mochila, não poderia levar o canivete, já que ele seria barrado na fiscalização do embarque. A solução seria comprar um em Boa Vista, onde certamente pagaria um preço maior e ainda me demandaria tempo na véspera da trilha. Por conta dessas ponderações, comprei um canivete multifuncional mesmo, em Porto Velho, daqueles que vêm até com colher, faca e garfo juntos. Made in China, claro, porque o fabricado na Suíça custava mais caro do que todos os talheres que existiam na minha casa.