sexta-feira, 25 de setembro de 2015

015 - Em busca de mais um companheiro para a viagem

O duro é encontrar um companheiro para uma empreitada dessas. Se você fala que é um churrasco de graça na sua casa, regado a cerveja, aparecem dezenas de amigos samaritanos, prontos para te ajudar a levar a carne assada da churrasqueira para a mesa. Se você convida um amigo para passar uns dias na sua casa de praia, também não terá problemas de companhia. Mas, vá convidar alguém para se esfolar seis dias em uma trilha íngreme, a um custo igual a quase uma centena de idas a uma churrascaria? 

Sim, aparecem uns curiosos, gente que diz sempre ter sonhado com algo assim, gente para te dar a maior força, te estimular a fazer aquilo, só que na hora do vamos ver todo mundo fica só no incentivo mesmo e nas palavras de estímulo. É a velha história: todo mundo acha a criança linda, mas ninguém quer colocar o próprio nome no registro de nascimento dela! Sempre há uma desculpa para o sujeito te dar diante de um convite desses, todas seguidas de um lamento e da promessa sobre a ida em uma próxima vez, como se todo semestre você subisse uma montanha como o Roraima.

Até que tivemos alguns candidatos, mas o mundo estava conspirando para que ninguém mais fosse conosco. Cheguei a mandar mensagens para a lista nacional da minha associação, composta por mais de 1.500 colegas, mas nada de positivo voltou além de perguntas curiosas sobre a aventura.

Confesso que, nessa hora, eu pensei em desistir. Como já dito, em vários momentos eu me peguei cogitando a possibilidade de deixar aquela maluquice de lado e, quando a questão dos custos tocou fundo, eu realmente quase desisti. 

Sempre há grupos para o Roraima, ao menos dois por mês, mesmo nos meses de baixa temporada. Eu poderia me encaixar em um deles, talvez em outubro, durante minhas férias seguintes, mês em que o clima estaria até melhor e eu poderia atingir um grau de preparação física e mental mais adequado. Insistindo em ir em abril, seriam pelo menos mais R$ 700,00. Isso pegou pesado comigo, mesmo tendo o dinheiro. O problema é que ninguém quer gastar mais do que o necessário, mesmo se o seu orçamento comportar o valor extra.

Nos primeiros dias de março, já tínhamos definido o início da caminhada para 13 de abril, uma terça-feira, e o término para o dia 18, um domingo. Na mesma época, um colega de Porto Velho, minha maior esperança de conseguir mais um para a caminhada, jogou a toalha afirmando problemas no joelho e o alto custo da aventura. Ainda restava a esperança de que a própria Makunaima, a agência de Boa Vista, conseguisse alguém para fazer a trilha conosco. 

Esforços nesse sentido estavam sendo feitos, disse-me o Francisco, nosso contato na agência. Porém, faltando pouco mais de um mês para a partida, eu não tinha muita esperança. Se fosse um mês de férias, dezembro, janeiro ou fevereiro, por exemplo, nossas chances seriam maiores. Tem muita gente que marca as férias e, diante de uma possibilidade dessas, acaba animando de última hora e embarcando na aventura. Mas, pouca gente no Brasil tira seu descanso do trabalho em abril e, vários que fazem isso, já têm todo o roteiro das férias programado com muita antecedência. Em resumo, uma viagem cara como a nossa, que exigia não só dinheiro como preparação física e mental, não era algo para ser decidido em tão pouco tempo.

Sendo essa a realidade, eu tinha que tomar a minha própria decisão, até porque não estava sozinho e o Gustavo dependia de mim para fazer a trilha ou não. Era hora de bater o martelo ou sair da sala de leilão definitivamente.

Alexandre Henry
alexandre.henry.alves@gmail.com

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

014 - Os custos da subida do Monte Roraima*

Com a data da viagem praticamente definida, faltava arrumar mais gente para ir conosco. A conta era bastante simples*:


** Tarifas **
R$ 1.400,00
Grupo de 05 ou + pessoas
R$ 1.500,00
Grupo de 04 pessoas
R$ 1.600,00
Grupo de 03 pessoas
R$ 2.300,00
Grupo de 02 pessoas
R$ 2.900,00
Para 01 pessoa apenas

           
Éramos só dois até então e o preço ficava nos R$ 2.300,00. Um ser humano a mais que fosse com a gente já traria um desconto de R$ 700,00 para cada um, algo nada desprezível. É preciso ter em mente que uma viagem dessas é cara e qualquer redução de custos sempre é bem vinda. Em primeiro lugar, deve-se lembrar que os preços das agências de Boa Vista não incluem o deslocamento até lá, ou seja, você tem que cuidar do seu voo até a capital roraimense. Passagem aérea no Brasil é quase um estelionato, todo mundo sabe, embora o culpado nem sempre seja conhecido – altos impostos, preço dos combustíveis vinculado ao dólar, custo-Brasil etc. Imagine então uma passagem para a capital mais ao Norte do país, talvez uma das mais isoladas e distantes, ao lado de Macapá e Rio Branco. É uma verdadeira fortuna, com absoluta certeza. 

Em nosso planejamento de viagem, estávamos de olho nessa questão das passagens, tentando descobrir um jeito de não estourar ainda mais o orçamento e lembrando que, pelo menos naquele momento, só existiam dois voos diários para Boa Vista em aviões de grande porte: um pela Gol, durante a madrugada; outro pela TAM, durante o dia. Todos os dois com escala ou conexão em Manaus.


Fora o custo das passagens, ir para Boa Vista para a subida do Monte Roraima ainda traz outras despesas. A pessoa precisa pagar ao menos uma noite de hotel, caso pegue o voo diurno, ou duas, caso pegue o noturno. A explicação é bem simples. Segundo pesquisamos naquele mês de fevereiro, o voo da Gol chegava a Boa Vista no meio da madrugada. A partida para a trilha se dava às cinco da matina, com o transporte para Santa Elena de Uairém, na Venezuela, seguido de outro transporte até a comunidade indígena e caminhada logo em seguida. 



Na internet, tinha visto o relato de um grupo que havia feito essa proeza: chegaram no voo da madrugada e, três horas depois, já estavam a caminho da Venezuela. Resultado? Um deles simplesmente não deu conta de subir o Roraima. Então, se você chegar no voo da madrugada, vai ter que dormir aquele resto de noite no hotel e ainda pagar mais uma diária. Se chegar no voo da tarde, dá para pagar só uma noite de hospedagem, embora em sempre recomende passar ao menos um ou dois dias completos em Boa Vista para conhecer a cidade e as redondezas.



Mas, também não é só isso. Tem táxi, almoços, jantares, lanches. Claro, para quem é caminhante de primeira viagem, os custos podem subir exponencialmente: uma boa mochila, bota apropriada, capa de chuva, saco de dormir, isolante térmico, bastão para caminhada e por aí afora. Comprando tudo no Brasil, facilmente essa conta chegaria a R$ 1.000,00 quando estávamos planejando nossa viagem. A sorte é que eu já tinha algumas coisas, mas ainda assim arrumar mais um companheiro de viagem ajudaria demais a suavizar o bolso, afinal de contas, saber que os pés sairiam machucados daquela aventura bastava, não sendo necessário machucar também a carteira.



Alexandre Henry Alves

alexandre.henry.alves@gmail.com

* Os valores são de 2010 e, por isso, certamente estão muito defasados.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

013 - Uma viagem deslumbrante pelo Rio Madeira

Toda essa decepção com a floresta amazônica mudou no dia 1º de fevereiro de 2010, pouco depois de ter tomado aquelas decisões com o Gustavo sobre a caminhada ser de seis dias e a agência ser a Makunaima. Junto com dois servidores da Justiça Federal e um piloto do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, um órgão federal ligado ao Ministério do Meio Ambiente que nos cedera a voadeira (canoa movida a motor de popa de bom desempenho), desci o rio Madeira como coordenador de um Juizado Especial Federal itinerante e fluvial. 



Arrumando a "voadeira" para iniciar a navegação pelo Rio Madeira.




Teixeira, o nosso "piloteiro", já contava com décadas de navegação pelos rios da região.




Nossa voadeira em um dos inúmeros portos em que paramos no rio Madeira.



Estávamos na fase de divulgação de um programa que levaria juízes, membros do Ministério Público, do INSS, da Defensoria Pública da União e de outros órgãos para atender as populações do chamado Baixo Madeira. A intenção era atender os moradores das margens do Rio Madeira, pouco após Porto Velho e até a divisa com o estado do Amazonas, viajando sempre de barco. Para que isso acontecesse, era preciso que uma equipe fosse antes e fizesse a divulgação das datas em que o barco passaria pelas comunidades, para receber as ações judiciais dos moradores.

Fui sem pretensões. Mas, logo no começo, inteirei-me que aquela não seria uma viagem de trabalho comum, até pelo que estávamos para fazer: entrar em uma canoa pequena, para navegar no gigantesco Rio Madeira, que tem esse nome principalmente porque por ele descem todos os dias do ano inúmeros troncos gigantescos de árvores arrancadas das margens pela correnteza, junto com tudo quando é tipo vegetação, de todos os gostos e tamanhos. 



Em alguns momentos, a chuva nos esperava em meio à navegação
.



A vida dos ribeirinhos (na foto, produção de farinha artesanal) foi algo que me encantou por completo nessa viagem, além das belezas naturais que presenciei.




Paramos em vários distritos de Porto Velho à margem do rio Madeira, todos eles relativamente preparados para as cheias do rio, que são comuns anualmente.




Mais uma divulgação feita. O cartaz anunciava o trabalho da Justiça Federal dali a alguns meses.



Já tinha visto o rio à distância, do seco, bem como a partir das balsas que o cruzam e dos barcos maiores que fazem pequenos passeios turísticos perto da capital rondoniense. De repente, eu estava sentado em uma canoa a menos de um metro de suas águas barrentas, bastando esticar o braço para nelas tocar. Em menos de vinte minutos, eu já tinha visto a quantidade de balsas monumentais que levam de tudo rio acima e rio abaixo, de Porto Velho a Manaus e vice-versa, já tinha visto o movimento dos vários pontos de atracação dos barcos e balsas, bem como a vida pulsante às beiras do Madeira. 

Porém, isso era apenas um aperitivo. Ao longo do dia, fomos descendo o rio e parando em várias comunidades pequenas, às vezes adentrando um pouco na mata, conhecendo frutos e aves da região e falando com inúmeros moradores, alguns dos quais nunca tinham saído dali. O Teixeira, nosso piloteiro, como é chamado o “motorista” da voadeira na Amazônia, foi me explicando muita coisa, inclusive sobre as árvores, até me mostrar aquela que sem eu saber habitava o meu imaginário infantil: a samaúma, também conhecida como a rainha da floresta. Podendo chegar até setenta metros de altura e três metros de diâmetro de tronco, cuja cor é meio esbranquiçada, a samaúma tem uma copa imponente que se destaca onde é muito difícil uma árvore chamar a atenção, diante de tantas concorrentes, ou seja, na Floresta Amazônica. 



Aos pés de uma árvore bem grandinha (não era uma samaúma).




As samaúmas nas margens do Madeira me encantaram durante toda a viagem.
 

No dia seguinte, após dormirmos em uma comunidade ribeirinha, fomos até a Reserva Extrativista do Cuniã, no intuito de continuar o trabalho de divulgação que estávamos fazendo. Saímos do Madeira e entramos em um igarapé, que é como são chamados os pequenos rios na Amazônia (algo como os ribeirões de outras regiões brasileiras), chegando a locais onde a mata realmente nunca tinha sido tocada pelo ser humano. 

Em determinado momento, o nosso piloteiro diminuiu a velocidade e mirou a voadeira em direção à floresta. Com o conhecimento de quem navegava naquela região havia décadas, ele encontrou o que os ribeirinhos chamam de furo, ou seja, um atalho que uma pequena embarcação pode pegar por dentro da mata na época das chuvas, quando a floresta é alagada, formando os chamados igapós. Por meio daquele furo, economizamos bons minutos de viagem e eu pude me sentir finalmente como em um daqueles documentários que a gente vê pela televisão desde criança, nos quais o repórter passa com a canoa por entre árvores gigantescas, navegando em um oceano de água cobrindo as bases da mata parcialmente submergida. 


O "furo" no meio da floresta alagada.




Ir ao Cuniã foi um dos pontos altos de uma viagem memorável.




Claro, eu não poderia deixar de sair na foto, no meio do igapó!


Nem que eu quisesse conseguiria exprimir aqui o encanto que senti naquele momento, no qual eu adentrava em um mundo que pensava só existir na minha imaginação, um mundo fabricado pela TV naqueles programas de ficção. Incrível sentir a paz do lugar, mesmo a floresta sendo bem barulhenta. Sim, se tem algo que aprendi naqueles dias foi que a floresta pode ser ensurdecedoramente barulhenta, principalmente se as cigarras estão ativas! Às vezes, aparece um silêncio, mas de vez em quando o barulho da bicharada é tamanho que – perdoe-me o exagero – um seringueiro deveria utilizar tampão de ouvido como equipamento de segurança profissional, para não ficar surdo! Mas é um barulho bom, sem rompantes como os dos carros nas ruas das grandes metrópoles, um barulho que de vez em quando vai diminuindo lentamente, depois volta, é entrecortado pelo canto de uma ave lá na copa da samaúma, pelo ploc de algum fruto caindo na água, pelo som distante da respiração de um boto no meio do igarapé...


Este ribeirinho aproveitava para se banhar no Rio Madeira.




Um dos inúmeros e tradicionais barcos de passageiros que navegam não só pelo Rio Madeira, mas por toda a região amazônica, levando gente, cachorro, papagaio e muita mercadoria, entre outras coisas.




As crianças ribeirinhas vão para a escola de barco.




Linda canoa escavada em um tronco de árvore. Sem uma emenda sequer.




Em um cantinho às margens do rio Madeira, o singelo cemitério permanece em paz.




Ambulância também é de barco.




Vida simples e alegre da meninada ribeirinha.




Uma das inúmeras dragas que vi no rio Madeira, buscando ouro (provavelmente, de forma ilegal).




Mais uma das imensas balsas que levam caminhões, ônibus e muita carga pesada até Manaus e outras localidades, já que a rodovia que liga Porto Velho à capital do Amazonas, um dia asfaltada, voltou a ser praticamente engolida pela floresta.


Tudo bem, estou aqui para contar sobre a caminhada rumo ao Monte Roraima, mas como no meio de todo o seu preparativo apareceu essa viagem maravilhosa pela Amazônia, eu não poderia deixar de falar um pouquinho sobre ela. Naquele igarapé, depois de atravessar o furo, vi jacaré (com a indefectível borboleta pousada no focinho do bicho), macacos, pássaros dos mais bonitos e uma infinidade de coisas que meus olhos e minha câmera foram registrando avidamente. 

O mesmo aconteceu depois de terminarmos o trabalho na Reserva do Cuniã, pois cada pedacinho daquela floresta intocada, cada detalhe das comunidades amazônicas ribeirinhas que nos receberam, a lida para fazer a farinha d’água que presenciamos, os frutos maravilhosos e desconhecidos para o paladar que recebemos, os constantes botos em fase de vadiagem (época de reprodução, no linguajar local), o peixe fresco do final do dia nos jantares regados a boa conversa sobre um mundo muito mais simples, tudo isso me cativou de uma forma que realmente selou meu amor pela Amazônia. 

Depois de quatro dias, eu não era mais apenas um visitante ou morador de uma capital da região Norte, tão perto e tão longe da floresta. Muito menos era um turista que não chega a se aproximar da verdadeira mata, que não consegue enxergar a dimensão desse universo tropical. Eu era alguém que tinha realmente conhecido, embora rapidamente, a Floresta Amazônica, alguém que agora tinha a noção da infinita riqueza que ela representa para o nosso país e para o mundo. A Amazônia que meus olhos viram não era igual à da minha imaginação infantil, era muito melhor, mais rica, mais colorida, mais barulhenta e mais apaixonante.

Alexandre Henry
alexandre.henry.alves@gmail.com

domingo, 20 de setembro de 2015

012 - A decepção com a Floresta Amazônica

Antes de mais nada, preciso adiantar, se é que você já não percebeu, que essa história tem muitos desvios para outras lembranças interessantes da minha vida. Mas, acredite: todas elas têm alguma coisa a ver com o Monte Roraima ou, quando não, pelo menos com aquele momento que eu estava vivendo.

Pois bem, vamos então a um assunto que me chamou a atenção naquele biênio de 2009/2010.

A maioria dos brasileiros conhece a Amazônia apenas pela televisão. Até 2009, eu estava entre essa maioria. Ao me mudar para Porto Velho, a menos de trinta minutos da divisa com o estado do Amazonas, pensei que conheceria enfim a grande floresta brasileira, motivo de tanta discussão na área ambiental. 



Estrada da Borracha? Mesmo chegando à cidade de Chico Mendes, o que se vê não é uma floresta, mas uma triste paisagem formada por muito desmatamento e áreas de pastagem.


Infelizmente, não foi isso o que aconteceu. Embora morar em uma capital do Norte te deixe diretamente em contato com a cultura nortista, isso não significa que você terá conhecido a mítica Floresta Amazônica. Chegando a Porto Velho, por exemplo, você ainda verá um tantinho de árvore ao pousar no aeroporto da cidade. Se for até algum dos mirantes do Rio Madeira, também verá do outro lado um pedacinho de mata. Isso poderá acontecer da mesma forma em Rio Branco, Manaus e Belém. 

Não falo das duas outras capitais, Palmas e Boa Vista, porque nem sequer ficam em região de floresta tropical. As quatro citadas capitais que surgiram no meio da mata são hoje concentrações humanas urbanizadas, com poucos vestígios de mata na área povoada da cidade. Cidades como Porto Velho, por exemplo, ainda trazem o agravante maior de terem poucas árvores, o que só aumenta a sensação de que você em qualquer lugar do mundo, menos em volta da maior floresta do planeta.



Outra decepção foi o hotel Pakaas Palafitas Lodge, hotel supostamente de selva em Guajará-Mirim, na divisa de Rondônia com a Bolívia. O maior problema foi perceber que só havia uma faixa mínima de selva ao redor do hotel, coisa de metros, sendo que o restante era pasto. Certamente, isso não é culta do hotel, mas eu pensei que estava indo para um local realmente dentro da mata densa.




Guajará-Mirim, destino rotineiro após a mudança para Porto Velho em 2009, foi uma das pontas da famosa estrada de ferro Madeira-Mamoré, eternizada na minissérie Mad Maria, da Rede Globo.




Guararamerin é a cidade irmã de Guajará-Mirim, mas no lado boliviano. Muita pobreza e um comércio grande de produtos sem alíquota de importação, quase todos falsificações chinesas grosseiras.


Até janeiro de 2010, confesso que eu achava a Amazônia bem mixuruca. Sabe aquela imagens que você cria na infância, de uma selva formada por árvores gigantescas, cheia de mistérios e perigos? Pois era isso o que tinha em mente e, durante vários meses, foi tudo o que eu não encontrei. Tudo bem que Porto Velho não tinha nada de floresta dentro da cidade, mas peguei o carro então para ir a Guajará-Mirim, já na divisa com a Bolívia, e o que vi foi muito pasto e um arremedo de selva à distância. 

Aliás, da selva que consegui enxergar, não surgiram as imagens das árvores gigantescas do meu imaginário infantil. Vi árvores relativamente grandes, claro, mas não muito diferentes do que meus olhos costumavam ver nas descidas para a praia, quando topava com o restolho de Mata Atlântica que há no estado de São Paulo.

Maior decepção tive ainda quando fui a Rio Branco, no Acre, ainda no ano de 2009. Dirigindo um carro alugado, rumei para a cidade de Xapuri, onde viveu Chico Mendes, e depois para Brasiléia, divisa com a cidade boliviana de Cobija. Naqueles pouco mais de 200 quilômetros, eu esperava enfim encontrar a mais espetacular floresta da face da Terra, um mundo rico em tudo quanto era tipo de planta e bicho. 



As três visitas que fiz a Rio Branco, capital do Acre, entre 2009 e 2010, deixaram-me uma excelente impressão da cidade: charmosa e, em boa parte, muito bem cuidada.



Rio Branco, capital do Acre (2009).


Tristeza. Parecia que eu estava andando no meu devastado cerrado, no interior de Goiás: só fazendas de gado, criando nelores em sistema extensivo, uma imagem que mexeu com o Chico Mendes que há dentro de todos nós. Pior ainda foi ter visto plantação de cana-de-açúcar por lá, uma cultura importante para o Brasil, mas que deveria ser mantida a uma distância totalmente segura da região amazônica.

Minha última tentativa de encontrar a floresta foi numa tarde de domingo, quando cruzei de balsa o rio Madeira e andei alguns quilômetros na estrada que um dia já levou qualquer tipo de veículo a Manaus. Mesmo com algumas gotas pingando do céu, decidi entrar em uma estradinha de terra até chegar a uma mata que havia visto de longe. Ali, vi árvores relativamente grandes, encontrei uma pequena área alagada como tantas que vira na televisão, mas ainda não tinha encontrado a floresta das minhas imaginações de criança.

sábado, 19 de setembro de 2015

011 - As primeiras decisões sobre o Monte Roraima

A conversa sobre a caminhada ao Roraima ficou em stand by durante as festas de final de ano. Só voltei a falar com o Gustavo no final de janeiro de 2010. Aliás, essa era a data combinada, quando eu teria informações sobre as aulas na Espanha e, consequentemente, sobre minha disponibilidade para o trekking. Ele me mandou uma mensagem para falar sobre seu contato com o Centro de Instrução de Guerra na Selva, do Exército, no Amazonas, ainda pensando naquela ideia de se internar em um centro de tortura por alguns dias, só para ver qual era a sensação de chegar aos limites do sofrimento.



Enquanto a viagem ao Monte Roraima estava sendo planejada, eu aproveitava para conhecer a cidade onde estava morando desde junho de 2009, Porto Velho, capital de Rondônia, bem como seus arredores. Na foto, barcos tipicamente amazônicos no rio Madeira, em Porto Velho, no final de 2009


As aulas europeias em maio já estavam fora de cogitação, por decisão dos próprios professores espanhóis. Sendo assim, eu teria mais flexibilidade de datas. Trocamos diversas mensagens então, flutuando entre saídas no final de março até meados de abril, mas sem nada certo. Porém, uma decisão tomamos: a caminhada seria a de seis dias.

Explico.

Há várias agências venezuelanas que guiam os aventureiros rumo ao topo do Roraima, bem como algumas poucas brasileiras, especialmente em Boa Vista. As caminhadas geralmente podem durar de cinco a sete dias. Em cinco, sobe-se a montanha em dois dias apenas, algo pouco recomendável para quem já estava achando difícil em três. Na caminhada de sete dias, dorme-se uma noite a mais no topo, indo até o lado guianense e com um pernoite na parte brasileira da montanha. Muito longo para nós, muito cansativo. Preferimos então a opção de seis dias, oferecida nos pacotes brasileiros: três dias para subir, dorme no topo, caminha por lá no quarto dia, mais uma noite dormida no topo, depois uma descida em dois dias.

Eu sempre fui um defensor radical do meio termo. Nem tanto ao céu, nem tanto à lua. Nem à esquerda, nem à direita, quase sempre no centro, embora às vezes pendendo um pouquinho mais para um dos lados. Isso não significa indecisão, pelo contrário. Nunca tive dúvidas de qual caminho seguir, de qual decisão tomar, pois sempre tentei optar pela trilha do equilíbrio. A virtude está no meio – já dizia uma antiga frase. Como todo mundo de bom senso persegue a virtude, sempre persegui esse meio, embora muitas vezes tenha errado feio na pontaria. 

Enfim, mas o que interessa era que escolher a caminhada de seis dias se mostrava uma decisão ponderada, equilibrada, sábia. Tempo suficiente para fazer a trilha com calma, sem desgastes físicos desumanos (ao menos na minha ingênua imaginação), mas também sem estender demais uma viagem que nos tiraria de nosso habitat natural, levando-nos a dormir em barracas todos os dias, a suportar frio e calor excessivos, enfim, coisas às quais definitivamente não estávamos acostumados.


Um dos locais que fiz questão de conhecer em Porto Velho foi a Base Aérea. Sede de um esquadrão de Super Tucanos, a Base Aérea estava recebendo também helicópteros russos iguais a esse da foto, muito bonitos.


A segunda decisão foi quanto à agência de viagens. Nada de contratar serviços direto na Venezuela: queríamos algo nosso, brasileiro, que falasse a nossa língua, que estivesse vinculado a nosso sistema jurídico, que se preocupasse com refeições mais adequadas aos costumes do Brasil. 

Não pesquisamos muita coisa, porque eu já tinha duas boas referências, todas duas de Boa Vista, capital de Roraima: a Makunaima Expedições (preste atenção na sílaba tônica, pois não é Makunaíma) e Roraima Adventures. Decidimos entrar em contato com a Makunaima, pois a turma de colegas de Boa Vista que fizera a caminhada poucos meses antes tinha ido com eles. Essa tarefa eu passei para o Gustavo, pois no primeiro dia de fevereiro em embarcaria em outra aventura...

Alexandre Henry
alexandre.henry.alves@gmail.com

010 - Um sujeito sedentário - parte 03

Também essa história não durou muito tempo. Logo, fiz minha viagem para a Europa e não mais voltei à academia. Um ano depois, já de volta a Uberlândia, minha cidade natal em Minas Gerais, tentei outra vez entrar na musculação, fiquei por dois ou três meses, depois de alguns anos fiz isso novamente, saí de novo, enfim, nunca engrenei com atividade física nenhuma, a não ser nas épocas de caratê. 

Claro, tem o tênis, esporte que eu decidi praticar em 2008, quando comprei uma raquete no Wal-Mart, em uma viagem aos Estados Unidos. De volta ao Brasil, entrei em uma aula semanal de tênis e durante sete meses tive alguma atividade física, com raríssimas partidas de um ou dois sets de vez em quando. Depois disso, mudei de cidade, deixei as aulas e passei a jogar esporadicamente (uma ou duas vezes por mês) uma partidazinha leve de tênis. 

Além disso, de vez em quando faço uma caminhada para o bem da minha saúde, mas não é nada constante e nunca consegui estabelecer uma rotina verdadeiramente séria de caminhar três vezes por semana durante vários meses seguidos.




Tênis foi um dos poucos esportes a me tirar (por pouco tempo)
do sedentarismo depois de adulto. Até que gostei.


Em resumo, sou um quase sedentário, sendo o quase representado por atividades físicas leves praticadas esporadicamente. Não jogo futebol com meus amigos toda semana (aliás, nunca jogo), não faço uma corridinha para mexer os músculos, não pratico natação (tentei uma vez, mas detesto água fria), deixei de lado a musculação, fiquei só dois meses no tal do pilates, não jogo peteca como todo bom mineiro... Bem, acho que isso já é suficiente para mostrar a quantas sempre andou meu condicionamento físico.

É bom ressaltar que até meu bicho de estimação* não tem nada a ver com um cachorro elétrico, que corre atrás da bola e acompanha o dono em suas atividades físicas. Por questões que só o destino explica, tornei-me dono de um gato peludo e gordo, chamado Bilu, que nunca foi de gastar muita energia. De vez em quando, isso no tempo em que ele era pequeno, ainda dava umas carreirinhas pela casa, atrás de pequenas bolas de papel que eu e minha esposa mandávamos para ele. 



Bilu, ainda mais sedentário do que eu*


Mas, a brincadeira logo acabava e ele, arfando de cansaço, logo se jogava no chão e, conforme o calor do dia, virava a barriga para o ar e ficava quietinho, esperando aquela vontade de correr atrás de bolinhas de papel passar definitivamente. De resto, só uma levantada de vez em quando para encher a barriga e tomar uma água, nada mais. Enfim, uma perfeita companhia para mim!

Diante desse panorama, qualquer pessoa em sã consciência tem razão de se perguntar como é que eu decidi fazer a caminhada do Monte Roraima, um trekking de seis dias em terreno acidentado, carregando uma mochila nas costas mais pesada do que qualquer peso que já coloquei nos treinos de musculação. Que titica de galinha me deu na cabeça para pegar um corpo imprestavelmente sedentário e levá-lo para tamanha aventura.

Infelizmente, nem eu sei a resposta. Certas decisões são tomadas de supetão, sem pensar, sem refletir. Ou talvez tenha sido paixão mesmo por uma montanha misteriosa, uma paixão diferente, mas de certa forma parecida com a que me fez voltar por livre e espontânea vontade para a academia de caratê. Sigamos em frente e talvez a resposta apareça.

Alexandre Henry
alexandre.henry.alves@gmail.com

* Bilu faleceu no segundo semestre de 2015, infelizmente. Aos 11 anos de idade, morreu de um ataque cardíaco fulminante. Passou mal e, trinta segundos depois, já tinha ido desta para uma melhor. O sedentarismo, nesse caso, cobrou seu preço.

009 - Um sujeito sedentário - parte 02

Pois é, mas o que o amor traz, o amor leva – dizia algum poema brega. Já adolescente, um nova namorada implicou com a academia e eu parei de fazer caratê. Só não engordei porque não tenho tendência para ganhar alguns quilinhos a mais facilmente. Mas, nos braços daquele novo amor, relembrei minha doce e suave infância, quando eu não fazia porcaria de exercício nenhum e vivia na paz e na tranqüilidade que só o sedentarismo pode proporcionar a um ser humano...

Não é falar que eu nunca lutei conscientemente contra a minha natureza. Durante meus anos de escola, participei de um campeonato interno de peteca, essa preciosidade das minhas Minas Gerais (sem medalha, é óbvio), de um torneio de futebol (na maioria dos jogos, eu ficava no gol, para não precisar correr) e também devo ter me arriscado perigosamente em alguma atividade como vôlei ou coisa parecida. 

Por óbvio, nada foi para frente. Tirando aquela história do caratê, época na qual eu mexia meu corpo estimulado pelo coração, não pela inteligência, acho que Deus, ao me colocar neste mundo, deu dois tapinhas nas minhas costas e me disse: meu filho, você será um privilegiado, pois poderá passar praticamente toda a sua vida sem mexer esse traseiro preguiçoso e, ainda assim, não engordará feito um leitão antes do Natal!

O dever me chamou e eu tive que fazer uma disciplina de Educação Física, quando estudava na USP, em São Paulo. Escolhi caratê, claro. Pensei que seria um reencontro cheio de emoções e saudosismo, algo do tipo “agora a  gente fica junto para sempre”. Ledo engano. Arrastei-me por aqueles cinco meses em que revi meu quimono, parecendo um ex-preso político que revê seu torturador depois de muitos anos. Cumpri a carga horária, claro, pois queria me formar na universidade, mas não estiquei um semestre sequer na ida ao tatame. 



Na minha formatura em Publicidade & Propaganda na USP, 
no início de 1998, eu continuava magrelo, mesmo sem fazer 
exercício algum. Deus foi bom para mim nessa parte!


Pouco tempo depois, ainda em São Paulo, eu resolvi me preparar um pouquinho para uma viagem de mochila que faria para a Europa. Eu andaria um bom tempo pelo Velho Mundo e precisava desenferrujar meus músculos, para não passar vergonha e, quem sabe, até para aproveitar um pouquinho mais a viagem. Foi então que eu decidi me matricular pela primeira vez na vida em uma academia de musculação. 

Sabe que eu até que não me senti muito mal? Claro, era um exercício anaeróbico e eu não precisava ficar todo esbaforido suplicando por um oxigênio teimoso que não queria chegar até meus pulmões. Confesso, para não ser taxado de mentiroso, que não colocava muito peso naquelas máquinas, porque meus músculos meio temperamentais poderiam dar birra de uma hora para a outra e não querer mais aquela história de musculação. 



Na mesma época em que fiz musculação pela primeira vez, montei uma 
banda de rock. Mas, ela não foi para frente por absoluta insuficiência 
técnica, especialmente da minha parte!


Foi nessa época que descobri a única atividade corporal que até hoje realmente me deu prazer: aula de alongamento. Por certo que a bela professora e a classe recheada de integrantes do sexo feminino ajudava, mas ficar esticando as pernas, braços e tudo mais para lá e para cá dava realmente uma sensação de alívio e conforto. Em pouco tempo, eu ia para a academia muito mais pela aula de alongamento (e pela paisagem durante a aula) do que para puxar ferro.

Alexandre Henry
alexandre.henry.alves@gmail.com

008 - Um sujeito sedentário - parte 01

Antes de mais nada, preciso dizer que sou sedentário. E daí? – você pode me perguntar. E daí que não teria graça nenhuma um sujeito bem preparado fisicamente, cheio de grandes aventuras no currículo, escrever sobre a caminhada rumo ao topo do Monte Roraima. 

Se fosse o Everest, o K-2 ou até o Aconcágua, tudo bem, porque estaríamos falando de escaladas que desafiam até mesmo profissionais muito bem preparados. Que a subida ao Monte Roraima é dura, difícil e desgastante, não há dúvida, assim como não há dúvida de que, para um profissional, ela nem de longe se compara a grandes picos na face da Terra, até porque não é um pico, mas um tepuy (depois, explico o que é isso). 

Não estamos falando de beleza natural, tudo bem? Nesse ponto, dizem que o Roraima bate praticamente todas as elevações do planeta. Estamos falando de dificuldade de ascensão.

Quanto a isso (dificuldade de ascensão), façamos uma equação:


Alpinista profissional ÷ Everest = Sujeitinho sedentário ÷ Monte Roraima


Assim, fica claro que, para mim, subir o Roraima tem o mesmo nível de desafio que o Everest representa para o Waldemar Niclevicz, um dos maiores alpinistas de nosso país.

Para entender essa equação, preciso fazer uma confissão: eu ODEIO exercícios físicos! Não é nada pessoal contra eles, simplesmente odeio. Em mim, claro. Adoro ver um maratonista cruzar a linha de chegada todo arrebentado, fico emocionado com as cãibras dos jogadores de futebol no intervalo de uma prorrogação e xingo quando alguém fica reclamando cansaço em uma provinha como a do Ironman. 



Para um sedentário legítimo, como eu, até a pescaria 
tem que ser sentado e na sombra (Fazenda da Paz, 2005)



Ali na minha sala de TV, sentado no meu confortável sofazão, comendo um chocolatezinho ou coisa parecida, sinto um prazer imenso em ver aquelas gotas de suor brotarem da testa dos atletas, encharcando as camisetas, enquanto o rosto do sujeito parece se contorcer em uma dor horrível. O problema é quando isso tem alguma coisa comigo, diretamente.



E, claro, não precisa nem pescar nada: depois a gente passa na casa 
de um pescador profissional e compra o peixe! (Douradoquara/MG, 2005)



Tudo bem, nunca fui um sedentário absolutamente profissional, pois é do ser humano lutar contra a sua própria natureza. Dos nove aos dezesseis anos, pratiquei caratê, se é que isso te interessa. Mas, vamos contar para a nossa história aqui ficar um pouco mais enfeitada. Pois então, meu pai me colocou na academia quando eu era moleque e, claro, no primeiro dia eu esperneei, chorei, xinguei e não fiz a aula. 

Acho que era o meu inconsciente se expressando, entende? Qual a razão de eu colocar meu corpo dentro daquela roupa grossa e calorenta chamada quimono e trocar socos e pontapés com alguém? Tinha lógica em vestir um troço mais grosso que o tapete lá de casa para ficar fazendo polichinelos ou correndo em círculos? Para o meu inconsciente, subconsciente e sei lá mais o que que existe dentro de mim, não havia lógica alguma. 

Por isso, dominado pela minha própria natureza, eu emburrei de um jeito que não teve cristão que me convencesse a entrar naquela academia e tirar algum prazer daquela atividade sado masoquista.

O que aconteceu depois é um dos maiores vácuos na bolsa de lembranças do meu cérebro. O que me levou a voltar à academia nas semanas seguintes é algo em relação ao qual não tenho a menor lembrança, mas não deve ter sido traumático ou eu teria noção dos acontecimentos. O certo é que me lembro que nos mudamos de casa e a academia ficou muito longe, encerrando-se aquele ciclo insano de treinamentos com quimono.

Mas, o que é nessa vida que suplanta nossa própria natureza e, principalmente, os sábios conselhos da nossa razão? O amor, sempre ele! O sujeitinho sem vergonha que vive fazendo a gente cometer as maiores besteiras desse mundo! Por amor, a gente passa vergonha, dá vexame, fala as maiores abobrinhas imagináveis, volta aos dois anos de idade para ficar falando feito uma criancinha que não sabe conversar direito ainda, acha tudo muito lindo, tudo muito bonito e, acreditem, por amor a gente até recomeça a fazer exercícios físicos! Incrível, não? 

Pois foi o que aconteceu comigo quando eu tinha dez anos. De casa nova, em uma idade em que todos os amores são platônicos e o auge do contato físico com a pessoa amada é um toque nas costas dela na brincadeira de pique-esconde, eu descobri que a minha amada e idolatrada tinha sido colocada na academia para fazer caratê junto com os irmãos e irmãs. O que eu fiz? Fui lá no armário, recuperei meu quimono que já estava quase destinado à nobre função de pano de chão, e me matriculei novamente no caratê, agora em outra academia. Daí para frente, foram vários anos de treinamento intenso, fui três vezes campeão mineiro de katá, vice-campeão mineiro de kumitê, vice-campeão brasileiro de katá por equipe, além de inúmeras outras medalhas e troféus. 

Pode parecer exibição contar isso, mas para um sedentário quase convicto como eu, contar que tem medalhas em algum esporte feito no passado (ufa, no passado!) dá um prazer imenso, algo como jogar na cara da humanidade: tá vendo, eu não sou esse imprestável fisicamente que todo mundo imagina! 

Ok, eu ainda assim detestava a parte do aquecimento, aquela ginástica sem fim, aqueles polichinelos e as corridas que ocupavam quase metade do meu tempo no tatame, mas isso não vem ao caso. Prefiro creditar aos meus problemas respiratórios crônicos desde a infância, que me faziam querer abrir as minhas narinas com macaco hidráulico em busca de oxigênio cada vez que eu me punha a fazer qualquer aquecimento físico baseado em exercícios aeróbicos.

Sim, é isso! Minha aptidão para o sedentarismo na verdade não tinha nada a ver com preguiça, mas com um inconsciente instinto de sobrevivência! Meu corpo e minha mente tinham exata consciência de que as bronquites e alergias respiratórias crônicas haviam impedido meus pulmões de ter um desenvolvimento saudável e, portanto, qualquer exercício aeróbico mais intenso não poderia ser acompanhado de uma respiração normal, faltaria oxigênio no meu sangue, nos músculos, no cérebro e – bingo! – minha vida estaria em grande perigo! Acho que, por isso, mesmo nos tempos de treinamento mais intensivo no caratê, eu continuava odiando as atividades aeróbicas intensas.

Alexandre Henry
alexandre.henry.alves@gmail.com

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

007 - Decisão tomada!

Aos vinte e um anos, embarquei sozinho para a Europa, tendo como companheira apenas uma mochila nas costas. Desinibido, fiz tantas amizades pelo caminho, conheci tanta gente diferente, que não me senti sozinho hora nenhuma. Mas, com o passar dos anos, comecei a preferir viagens nas quais já saía de casa na companhia de alguém, seja a minha esposa ou um amigo. 



Madri fora a minha primeira parada naquele mochilão pela Europa em 1997


Ainda não tinha pensado realmente na minha subida ao topo do Monte Roraima, talvez aventasse essa possibilidade para outubro do ano seguinte, mas antes teria que arrumar uma companhia, porque não queria fazer essa viagem apenas com desconhecidos. Não que isso não seja legal, mas quando você sai do seu padrão de viagens e vai para alguma coisa um pouco mais arriscada, ainda mais se você já não é mais um garotão de vinte e um anos, é bacana ter alguém que você conheça ao lado. Com a mensagem do Gustavo, eu já tinha resolvido um dos problemas.

Outra grande questão a se resolver sobre uma viagem desse tipo é a época. Dizem que, quando se é novo, você tem tempo, energia, mas não tem dinheiro. Quando se é velho, você tem dinheiro e tempo, mas não tem energia. Eu estava no meio do caminho: com dinheiro e energia para a empreitada, mas me faltando o tempo. Na verdade, eu até que tinha algumas férias acumuladas e poderia aproveitar uma delas para ir, só que isso seria feito casando a subida ao Monte Roraima junto com outro passeio, porque se há um mandamento em minha vida é o de que não se deve tirar férias se não for possível ocupar ao menos metade dos dias na estrada. 

Como a aventura que começava a nascer não duraria mais do que seis ou oito dias, se não tivesse mais nada para fazer durante os trinta dias de descanso eu estaria queimando um bem precioso, ou seja, minhas férias. Assim, passei a pensar na questão e me lembrei que maio já estava agendado no meu calendário como férias, por conta de uma viagem de estudos à Espanha, que não me consumiria todo o mês.

Pronto: respondi ao Gustavo que provavelmente tiraria férias em maio, mas que estava dependendo da confirmação das datas das aulas na Europa, as quais teria no final de janeiro. A ideia era deixar o estudo para o final do período de descanso, de maneira a antecipar as férias para coincidir com as dele em abril e, assim, fazermos a caminhada na Venezuela. 

Empolgado, o Gustavo chegou até a falar em participarmos também de um treinamento que o Exército eventualmente dá a civis sobre sobrevivência na selva, aplicado em plena Floresta Amazônica durante alguns dias. Não quis jogar um balde de água fria logo de cara, mas pensei com meus botões que aquela não era uma boa ideia para mim. 

Tudo bem, não deixa de ser uma experiência interessante aprender a sobreviver na selva, ainda mais no meu caso, que estava morando em Porto Velho, Rondônia, em plena região amazônica. E se algum dos aviões que sempre tomava caíssem no meio da floresta? Não seria interessante ter conhecimentos para poder sobreviver enquanto o resgate não chegasse? Em vez de passar fome, saber quais os frutos e larvas da mata saciam as necessidades humanas?



Morando em Porto Velho, eu já tinha feito um voo sobre a floresta, 
em avião pequeno, acompanhando o fotógrafo das usinas hidrelétricas 
em construção à época no Rio Madeira. Ainda assim, aventuras como essa
 não foram suficientes para me estimular a fazer um treinamento militar na selva.


Pensei bem e calculei a probabilidade do meu avião cair. Mais do que isso, dele cair e eu sobreviver. Mais ainda: de eu sobreviver e ter condições de fazer alguma coisa, sem ferimentos graves a me paralisar em algum canto. Puxei na memória também o pavor que senti quando me alistei no Exército, enquanto morava em São Paulo, e um soldado sacana avisou que todos nós ali daquela fila iríamos cumprir o serviço militar na Amazônia. Lembrei-me dos sinceros agradecimentos a Deus por ter sido dispensado por excesso de contingente e, assim, não ter que fazer treinamentos extenuantes no meio da mata escaldante no Norte brasileiro. 

E mais: pus na conta também o amor que eu sinto pelos insetos voadores e famintos de sangue que tanto habitam as florestas úmidas e quentes, insetos com os quais eu dividiria meus dias de doce treinamento militar como desejava o Gustavo. Não preciso dizer qual foi a milha decisão...

Alexandre Henry
alexandre.henry.alves@gmail.com

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

006 - E nasceu a ideia da viagem ao Monte Roraima!

Foi assim que, no final de novembro de 2009, desembarquei em Boa Vista e logo de cara me encantei pela cidade. Muita gente acha que no norte do Brasil só tem cidade subdesenvolvida, o que é um baita de um preconceito.

O que eu encontrei na capital de Roraima foram ruas planejadas, uma orla do rio Branco muito bonita, uma praia de rio lotada de gente e uma avenida repleta de estruturas de lazer para a população. Enfim, uma cidade pequena e muito melhor do que a maioria dos “paraísos” em regiões ditas mais desenvolvidas no país. Com pouco tempo na cidade, já tinha incluído Boa Vista na mesma categoria de Rio Branco, no Acre, ou seja, das cidades que mais me surpreenderam positivamente e que viraram meus xodós.



A sede da Justiça Federal em Boa Vista/RR, onde ocorreu o evento.



Com o escritor e velejador Amyr Klink, depois de ter o livro autografado.



Próximo à divisa com a Venezuela, a presença do Exército brasileiro.



A fronteira terrestre.



Em Santa Elena, já na Venezuela, um agradável almoço 
com uma colega juíza, Amyr Klink e sua esposa Marina Klink.



O freeshop terrestre no lado venezuelano iria marcar o início de 
um evento traumático na viagem do ano seguinte ao Monte Roraima.



Em 2009, Boa Vista ainda não tinha shopping e a vida noturna 
acontecia de forma agradável em uma avenida.



No segundo dia de palestras, foi apresentado um vídeo pelo pessoa da Justiça Federal em Roraima, sobre a caminhada que eles tinham feito ao topo do Monte Roraima. Tendo a presença de Amyr Klink ali, de quem eu já tinha me aproximado e batido um papo rápido, bem como após assistir à palestra do grande velejador brasileiro, na qual viajei com minha imaginação como sempre faço ao ler seus livros, fui fisgado em algum momento por aquele destino, por aquela montanha.

Não sei dizer o exato segundo em que isso aconteceu, mas de um momento para o outro eu já havia decidido que não morreria sem repetir a façanha dos colegas que me era passada ali naquele vídeo. Daí para frente, incluindo o jantar com o velejador e sua esposa Marina, bem como a viagem com os dois e mais uma turma à Venezuela no sábado, a ideia de subir uma montanha mágica foi se aninhando em meu pensamento, ainda de forma muito calma, sem pressa, sem afobação, mas de maneira sólida e irreversível.

Ainda fui à Guiana no domingo, atravessei o rio Branco remando um caiaque alugado até a praia bonita do outro lado, fui à igreja, ao cinema, lanchei e comprei lembranças no magnífico complexo Ayrton Senna. Um final de semana completo, que matou a minha vontade de conhecer a capital do Estado mais ao Norte do Brasil e, ao mesmo tempo, criou em mim um desejo inexplicável de viver uma aventura um pouco fora dos meus padrões, mais adequados a destinos confortáveis e relaxantes.



Pegando a estrada rumo à Guiana, em um carro alugado.



Se te perguntarem onde fica a BR-401, agora você já sabe: 
entre Boa Vista e a Guiana!



Os 130 km que separam a capital de Roraima da Guiana 
são marcados quase somente por retas.



Bonfim é a última cidade de Roraima na estrada para a Guiana.
Literalmente, fica no fim.



Controles na fronteira.



Na Guiana, antiga colônia inglesa, os carros andam pela mão esquerda.
Por isso, após a ponte que liga os dois países, há uma troca de lado da pista.



Ir a Lethem é um passeio para você dizer que foi à Guiana.
Nenhum amigo seu deve ter ido. Mas, só serve para contar mesmo.
Não tem praticamente nada de interessante lá.



Alguns casarões em estilo inglês marcam a 
pequena cidade cheia de ruas de terra.



Na Guiana, conversando em inglês e tomando uma cerveja do país.



A placa na ponte entre os dois países, recém inaugurada.



Boa parte de Roraima, ao contrário do que muita gente pensa,
não é floresta, mas savana (praticamente igual ao nosso cerrado).



Em Boa Vista, cruzando o Rio Branco de caiaque em direção à praia fluvial.



Charmosa igreja na capital de Roraima.



O lindo pôr-do-sol no Rio Acre, em Boa Vista.


Já de volta à minha cidade, enviei uma mensagem para a lista nacional da nossa categoria, para elogiar o evento promovido pelo Tribunal, bem como a organização do pessoal de Boa Vista e, especialmente, para falar sobre o meu encanto com aquela cidade tão bacana e tão distante do resto do país. No meio do pequeno texto, expressei o meu desejo de um dia subir o Monte Roraima. Pouco tempo depois, recebi uma mensagem direta:

Grande Alexandre,
Como eu sei que você não é de falar à toa, inclua-me, se possível, no projeto "caminhada ao Monte Roraima". Já vinha pensando nisso há algum tempo e achei muito legal saber que você também está a fim de encarar a aventura. Ano passado fiz o trekking do Vale do Paty, na Chapada Diamantina, e digo que foi uma das viagens mais maneiras que já fiz!
Tô no aguardo. Em abril estarei de férias.
Bora?!
Abraço, Gustavo.

Alexandre Henry
alexandre.henry.alves@gmail.com