sábado, 19 de setembro de 2015

008 - Um sujeito sedentário - parte 01

Antes de mais nada, preciso dizer que sou sedentário. E daí? – você pode me perguntar. E daí que não teria graça nenhuma um sujeito bem preparado fisicamente, cheio de grandes aventuras no currículo, escrever sobre a caminhada rumo ao topo do Monte Roraima. 

Se fosse o Everest, o K-2 ou até o Aconcágua, tudo bem, porque estaríamos falando de escaladas que desafiam até mesmo profissionais muito bem preparados. Que a subida ao Monte Roraima é dura, difícil e desgastante, não há dúvida, assim como não há dúvida de que, para um profissional, ela nem de longe se compara a grandes picos na face da Terra, até porque não é um pico, mas um tepuy (depois, explico o que é isso). 

Não estamos falando de beleza natural, tudo bem? Nesse ponto, dizem que o Roraima bate praticamente todas as elevações do planeta. Estamos falando de dificuldade de ascensão.

Quanto a isso (dificuldade de ascensão), façamos uma equação:


Alpinista profissional ÷ Everest = Sujeitinho sedentário ÷ Monte Roraima


Assim, fica claro que, para mim, subir o Roraima tem o mesmo nível de desafio que o Everest representa para o Waldemar Niclevicz, um dos maiores alpinistas de nosso país.

Para entender essa equação, preciso fazer uma confissão: eu ODEIO exercícios físicos! Não é nada pessoal contra eles, simplesmente odeio. Em mim, claro. Adoro ver um maratonista cruzar a linha de chegada todo arrebentado, fico emocionado com as cãibras dos jogadores de futebol no intervalo de uma prorrogação e xingo quando alguém fica reclamando cansaço em uma provinha como a do Ironman. 



Para um sedentário legítimo, como eu, até a pescaria 
tem que ser sentado e na sombra (Fazenda da Paz, 2005)



Ali na minha sala de TV, sentado no meu confortável sofazão, comendo um chocolatezinho ou coisa parecida, sinto um prazer imenso em ver aquelas gotas de suor brotarem da testa dos atletas, encharcando as camisetas, enquanto o rosto do sujeito parece se contorcer em uma dor horrível. O problema é quando isso tem alguma coisa comigo, diretamente.



E, claro, não precisa nem pescar nada: depois a gente passa na casa 
de um pescador profissional e compra o peixe! (Douradoquara/MG, 2005)



Tudo bem, nunca fui um sedentário absolutamente profissional, pois é do ser humano lutar contra a sua própria natureza. Dos nove aos dezesseis anos, pratiquei caratê, se é que isso te interessa. Mas, vamos contar para a nossa história aqui ficar um pouco mais enfeitada. Pois então, meu pai me colocou na academia quando eu era moleque e, claro, no primeiro dia eu esperneei, chorei, xinguei e não fiz a aula. 

Acho que era o meu inconsciente se expressando, entende? Qual a razão de eu colocar meu corpo dentro daquela roupa grossa e calorenta chamada quimono e trocar socos e pontapés com alguém? Tinha lógica em vestir um troço mais grosso que o tapete lá de casa para ficar fazendo polichinelos ou correndo em círculos? Para o meu inconsciente, subconsciente e sei lá mais o que que existe dentro de mim, não havia lógica alguma. 

Por isso, dominado pela minha própria natureza, eu emburrei de um jeito que não teve cristão que me convencesse a entrar naquela academia e tirar algum prazer daquela atividade sado masoquista.

O que aconteceu depois é um dos maiores vácuos na bolsa de lembranças do meu cérebro. O que me levou a voltar à academia nas semanas seguintes é algo em relação ao qual não tenho a menor lembrança, mas não deve ter sido traumático ou eu teria noção dos acontecimentos. O certo é que me lembro que nos mudamos de casa e a academia ficou muito longe, encerrando-se aquele ciclo insano de treinamentos com quimono.

Mas, o que é nessa vida que suplanta nossa própria natureza e, principalmente, os sábios conselhos da nossa razão? O amor, sempre ele! O sujeitinho sem vergonha que vive fazendo a gente cometer as maiores besteiras desse mundo! Por amor, a gente passa vergonha, dá vexame, fala as maiores abobrinhas imagináveis, volta aos dois anos de idade para ficar falando feito uma criancinha que não sabe conversar direito ainda, acha tudo muito lindo, tudo muito bonito e, acreditem, por amor a gente até recomeça a fazer exercícios físicos! Incrível, não? 

Pois foi o que aconteceu comigo quando eu tinha dez anos. De casa nova, em uma idade em que todos os amores são platônicos e o auge do contato físico com a pessoa amada é um toque nas costas dela na brincadeira de pique-esconde, eu descobri que a minha amada e idolatrada tinha sido colocada na academia para fazer caratê junto com os irmãos e irmãs. O que eu fiz? Fui lá no armário, recuperei meu quimono que já estava quase destinado à nobre função de pano de chão, e me matriculei novamente no caratê, agora em outra academia. Daí para frente, foram vários anos de treinamento intenso, fui três vezes campeão mineiro de katá, vice-campeão mineiro de kumitê, vice-campeão brasileiro de katá por equipe, além de inúmeras outras medalhas e troféus. 

Pode parecer exibição contar isso, mas para um sedentário quase convicto como eu, contar que tem medalhas em algum esporte feito no passado (ufa, no passado!) dá um prazer imenso, algo como jogar na cara da humanidade: tá vendo, eu não sou esse imprestável fisicamente que todo mundo imagina! 

Ok, eu ainda assim detestava a parte do aquecimento, aquela ginástica sem fim, aqueles polichinelos e as corridas que ocupavam quase metade do meu tempo no tatame, mas isso não vem ao caso. Prefiro creditar aos meus problemas respiratórios crônicos desde a infância, que me faziam querer abrir as minhas narinas com macaco hidráulico em busca de oxigênio cada vez que eu me punha a fazer qualquer aquecimento físico baseado em exercícios aeróbicos.

Sim, é isso! Minha aptidão para o sedentarismo na verdade não tinha nada a ver com preguiça, mas com um inconsciente instinto de sobrevivência! Meu corpo e minha mente tinham exata consciência de que as bronquites e alergias respiratórias crônicas haviam impedido meus pulmões de ter um desenvolvimento saudável e, portanto, qualquer exercício aeróbico mais intenso não poderia ser acompanhado de uma respiração normal, faltaria oxigênio no meu sangue, nos músculos, no cérebro e – bingo! – minha vida estaria em grande perigo! Acho que, por isso, mesmo nos tempos de treinamento mais intensivo no caratê, eu continuava odiando as atividades aeróbicas intensas.

Alexandre Henry
alexandre.henry.alves@gmail.com

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