Aos vinte e um anos, embarquei sozinho para a Europa, tendo como companheira apenas uma mochila nas costas. Desinibido, fiz tantas amizades pelo caminho, conheci tanta gente diferente, que não me senti sozinho hora nenhuma. Mas, com o passar dos anos, comecei a preferir viagens nas quais já saía de casa na companhia de alguém, seja a minha esposa ou um amigo.
Madri fora a minha primeira parada naquele mochilão pela Europa em 1997
Ainda não tinha pensado realmente na minha subida ao topo do Monte Roraima, talvez aventasse essa possibilidade para outubro do ano seguinte, mas antes teria que arrumar uma companhia, porque não queria fazer essa viagem apenas com desconhecidos. Não que isso não seja legal, mas quando você sai do seu padrão de viagens e vai para alguma coisa um pouco mais arriscada, ainda mais se você já não é mais um garotão de vinte e um anos, é bacana ter alguém que você conheça ao lado. Com a mensagem do Gustavo, eu já tinha resolvido um dos problemas.
Outra grande questão a se resolver sobre uma viagem desse tipo é a época. Dizem que, quando se é novo, você tem tempo, energia, mas não tem dinheiro. Quando se é velho, você tem dinheiro e tempo, mas não tem energia. Eu estava no meio do caminho: com dinheiro e energia para a empreitada, mas me faltando o tempo. Na verdade, eu até que tinha algumas férias acumuladas e poderia aproveitar uma delas para ir, só que isso seria feito casando a subida ao Monte Roraima junto com outro passeio, porque se há um mandamento em minha vida é o de que não se deve tirar férias se não for possível ocupar ao menos metade dos dias na estrada.
Como a aventura que começava a nascer não duraria mais do que seis ou oito dias, se não tivesse mais nada para fazer durante os trinta dias de descanso eu estaria queimando um bem precioso, ou seja, minhas férias. Assim, passei a pensar na questão e me lembrei que maio já estava agendado no meu calendário como férias, por conta de uma viagem de estudos à Espanha, que não me consumiria todo o mês.
Pronto: respondi ao Gustavo que provavelmente tiraria férias em maio, mas que estava dependendo da confirmação das datas das aulas na Europa, as quais teria no final de janeiro. A ideia era deixar o estudo para o final do período de descanso, de maneira a antecipar as férias para coincidir com as dele em abril e, assim, fazermos a caminhada na Venezuela.
Empolgado, o Gustavo chegou até a falar em participarmos também de um treinamento que o Exército eventualmente dá a civis sobre sobrevivência na selva, aplicado em plena Floresta Amazônica durante alguns dias. Não quis jogar um balde de água fria logo de cara, mas pensei com meus botões que aquela não era uma boa ideia para mim.
Tudo bem, não deixa de ser uma experiência interessante aprender a sobreviver na selva, ainda mais no meu caso, que estava morando em Porto Velho, Rondônia, em plena região amazônica. E se algum dos aviões que sempre tomava caíssem no meio da floresta? Não seria interessante ter conhecimentos para poder sobreviver enquanto o resgate não chegasse? Em vez de passar fome, saber quais os frutos e larvas da mata saciam as necessidades humanas?
Morando em Porto Velho, eu já tinha feito um voo sobre a floresta,
em avião pequeno, acompanhando o fotógrafo das usinas hidrelétricas
em construção à época no Rio Madeira. Ainda assim, aventuras como essa
não foram suficientes para me estimular a fazer um treinamento militar na selva.
Pensei bem e calculei a probabilidade do meu avião cair. Mais do que isso, dele cair e eu sobreviver. Mais ainda: de eu sobreviver e ter condições de fazer alguma coisa, sem ferimentos graves a me paralisar em algum canto. Puxei na memória também o pavor que senti quando me alistei no Exército, enquanto morava em São Paulo, e um soldado sacana avisou que todos nós ali daquela fila iríamos cumprir o serviço militar na Amazônia. Lembrei-me dos sinceros agradecimentos a Deus por ter sido dispensado por excesso de contingente e, assim, não ter que fazer treinamentos extenuantes no meio da mata escaldante no Norte brasileiro.
E mais: pus na conta também o amor que eu sinto pelos insetos voadores e famintos de sangue que tanto habitam as florestas úmidas e quentes, insetos com os quais eu dividiria meus dias de doce treinamento militar como desejava o Gustavo. Não preciso dizer qual foi a milha decisão...
Alexandre Henry
alexandre.henry.alves@gmail.com
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